Letramento no CCSP
Um
programa de ensino fundamental para adultos inserido em um espaço cultural
Não
há dúvidas sobre a importância dos processos educacionais em que nos envolvemos
em qualquer fase da vida, mas há algo de ainda mais marcante e profundamente transformador
quando um adulto decide - e encontra as condições necessárias para conseguir -
retomar os estudos ou mesmo dedicar-se a eles pela primeira vez.
No
Centro Cultural São Paulo, inúmeros funcionários não completaram o ensino fundamental
e médio, sobretudo entre os oriundos de contratos com empresas terceirizadas,
nos trabalhos de Jardinagem, Segurança e Limpeza, entre outros. Esta realidade
tornou-se evidente e mobilizou esforços recentemente, em 2004, quando Eliezér
Rozeno da Silva, funcionário encarregado da Jardinagem, revelou, em uma conversa
com o então Diretor do CCSP e atual Secretário Municipal de Cultura, Carlos Augusto
Calil, seu desejo de aprender a ler.
Para se ter ideia do que significa
a possibilidade de ler, desejada pelo Eliezér, podemos partir do mais simples:
você que está conhecendo esta história neste momento só têm acesso a ela porque
um dia aprendeu a ler. Partindo disso, você pode ainda fazer o exercício de lembrar
quantas coisas no seu cotidiano só são possíveis graças à habilidade da leitura.
Somadas a essa questão mais simples, há também outras razões e importâncias
na busca por este aprendizado. A conhecida frase do educador brasileiro Paulo
Freire em que afirma que “a leitura do mundo precede a leitura das palavras” nos
faz refletir sobre o quanto os encontros e conversas destinados ao aprendizado
das palavras podem contribuir para que estas pessoas, juntas, ao compartilharem
suas visões do mundo e viverem experiências coletivas, ampliem e enriqueçam suas
perspectivas e suas leituras da realidade.
A partir desta manifestação,
a Divisão de Ação Cultural e Educativa (DACE) do CCSP (na ocasião Núcleo de Ação
Educativa) estabeleceu uma parceria com o Núcleo de Trabalhos Comunitários (NTC)
da PUC-SP. Já no primeiro ano de aulas, alguns dos alunos considerados habilitados
prestaram exames e receberam certificados de 1º grau.
Após uma breve
pausa em 2005, o grupo foi reestabelecido no ano seguinte. Atualmente, as aulas
acontecem na sala da Associação dos Funcionários do CCSP, no porão do CCSP, às
terças e quintas, das 14h20 às 16h20, com a educadora Ana Paula de Oliveira Soares
e a assistente Alessandra Almeida, sob coordenação pedagógica de Carlos Alberto
Daniel dos Santos (Tiziu). Os alunos podem ingressar em qualquer momento do ano
letivo, pois o acompanhamento de seu desenvolvimento é realizado individualmente.
O Letramento é um processo encantador em qualquer ambiente, no entanto,
realizado no CCSP ganha outro universo de possibilidades: o do acesso à cultura,
o do aprendizado em diálogo com a arte. As mais interessantes ações do Letramento
neste quase oito anos de existência estão ligadas à relação do grupo com o espaço
do CCSP, seus acervos e programações.
É emblemática, por exemplo, a
visita monitorada realizada com o grupo do Letramento à exposição Missão de
pesquisas folclóricas - Cantos populares do Brasil: a missão de Mário de Andrade,
em 2008, que coroou um trabalho proposto pelos educadores sobre cultura popular
e cultura de massa, com foco nas regiões norte e nordeste, de onde a maior parte
dos alunos havia migrado para São Paulo havia muito anos. Além de aprendizado
em plena vivência no espaço, a visita significou a apropriação por parte destes
funcionários do local onde passam provavelmente a maior parte de seus dias - o
espaço que antes era exclusivamente do trabalho, passou a ser também espaço do
encanto e da descoberta.
Outro momento marcante foi a oficina de xilogravura
preparada pela equipe da DACE em diálogo com as propostas dos educadores, a partir
de pedaços de madeira cedidos pela Marcenaria do CCSP. Radiantes com a concretização
do conhecimento, os participantes do grupo de Letramento transformaram a sala
de aula em ateliê e experimentaram arte no meio da tarde.
Em um relatório
de avaliação, a funcionária da DACE, Ana Maria Campanhã, que acompanha o grupo
de Letramento desde sua origem, conta sobre a sensação de satisfação em ser surpreendida
pelos colegas de trabalho que passaram a colaborar uns com os outros em suas tarefas
e, principalmente, despertaram para o espaço cultural privilegiado em que estão
inseridos. Nas palavras dela, é preciso compartilhar a “satisfação ao sermos ‘surpreendidos’
por nossos colegas estudantes nos corredores e espaços do Centro Cultural, para
dizer-nos que já estão pesquisando nas Bibliotecas do CCSP e Internet”. Porque
quando há oportunidade e desejo, o mundo se expande.